25 de setembro de 2014

Uma Introdução

Recentemente, sonhei que iniciava uma apresentação muito importante com este discurso. Levantei da cama às 04:37 pra escrevê-lo, pensando em realmente declamá-lo num show.
Pois é, eu tenho dessas coisas. De vez em quando, tenho umas epifanias. Todo mundo tem, não é? Bem, eu costumo escrever as minhas - e isso é o que poucos fazem.
Depois de um tempo, percebi que - exceto no sonho - era um texto grande demais e deveras complexo para que eu simplesmente o recitasse num show de rock. Seria por demais enfadonho.
Portanto, resolvi publicá-lo aqui. Mas sugiro que você, leitor, imagine-se realmente num show de rock ao lê-lo. Imagine que você está me vendo entrar no palco com um rolo de papel higiênico nas mãos e, quando diante do microfone, eu o vou desenrolando e lendo estas palavras abaixo - que estariam escritas no papel do rolo. É meio maluco, né? Foi como eu sonhei ter acontecido.

“Buenas noches, muchachos y muchachas...”

Primeiramente, é um prazer estar com vocês esta noite. Na verdade, é justamente sobre isso que trata esta introdução. E serei breve, prometo. Sinto francamente que esta fala é necessária, pois a relação entre o artista e o público é essencialmente uma relação de amor. E o amor necessita – como condição indispensável – de sinceridade, para conseguir sobreviver e se desenvolver.

Quantos de vocês gostariam se, agora, eu tocasse uma composição do Raul Seixas? Ou se eu tocasse uma do Black Sabbath? Dos Beatles ou dos Stones? Claro, muita gente gostaria. Pra ser sincero, falei só de gente do rock, porque é o meu ambiente. Mas esse raciocínio vale quando pensamos em qualquer tipo de música. Que fosse o Beethoven. Sei lá.

O fato é que se eu chegasse aqui e tocasse algo consagrado, bastaria eu me empenhar um pouco em ensaiar, pra não fazer feio, e teria comigo a garantia de que alguém ali presente iria curtir. Claro. Já havia milhares, milhões de fãs, amando esta composição muito antes de eu pensar em tocá-la, fosse ela do Raul, do Sabbath, dos Stones, do Beethoven ou qualquer outra.

Quando se trata de algo novo – e aqui não me refiro a nenhum conceito genial e revolucionário de vanguarda, falo apenas de apresentar um trabalho que é seu, que nasceu de você, dos seus sentimentos, dos seus pensamentos, do seu empenho, da sua história –, algo “autoral” (como se diz atualmente), é outra situação. Muito diferente.

Neste caso, existe um ato de coragem e de amor a ser executado por ambas as partes.

Coragem, por parte do público, de se abrir a uma coisa desconhecida sem preconceitos, sabendo que nem sempre se vai gostar de muito do que se vê, mas também sabendo que pode-se gostar muito de algumas coisas a qualquer momento.

Por parte do artista, coragem de expor-se diante de todos sem nenhuma certeza. Como estar nu em praça pública – mas o artista se expõe ainda mais: desnuda não só o seu corpo, mas toda a sua alma diante de todos – e sob os holofotes.

E um ato de amor para ambos, porque é preciso amar profundamente para se entregar a algo ou a alguém completamente.

Sim, a relação entre o artista e o público é uma relação de profundo amor. É por amor que ambos estão ali e partilham daqueles momentos, sensações e sentimentos, daquela experiência coletiva e orgástica. Principalmente na música, a mais dionisíaca das artes.

E o mais interessante é que artista e público estão ali não por amarem um ao outro e sim porque ambos amam a um terceiro: Que é propriamente a arte – e a experiência viva da arte.

Quando se esquecem disso, artista e público ficam cegos em mera idolatria de egos cancerosos e de posturas ocas envernizadas pela ignorância. Superficiais demais. Estúpidas. Doentias, até. Não quero fãs. Quero uma legião de amigos – ou de amantes.

O amor do artista e do público deve ser pela arte, não pelas personas que estão em cena. Quando ambos, apaixonados pela mesma musa, sentindo a mesma paixão, se encontram, experimentamos a verdadeira catarse. É como estrelas que nascem em explosões titânicas. É como o mais fantástico dos orgasmos. Não há na arte apenas uma relação “emissor-receptor”. A arte necessita principalmente de interlocutores.

Quando um sujeito cria uma obra de arte, a obra faz dele um artista. Criador e criatura trocam de papel incessantemente na arte. Mas esta esquizofrênica relação “criador-criatura” só se torna realmente consumada quando entra o público – que também é criador e criatura. E então o ciclo se fecha para poder começar de novo, num eterno retorno ao novo. Arte é linguagem e é discurso e – como se ensina nas aulas de língua portuguesa – “quem diz, diz algo a alguém”. A interlocução é fundamental.

Assim, sem mais delongas, desnudo a partir de agora a minha alma, diante de vocês, com o peito aberto. O que me traz a este momento é um amor antigo, profundo, enraizado e que floresce, transbordando em volumosas cachoeiras. Concordo com o velho alemão quando disse que “a vida sem a música seria um erro, um exílio, uma tarefa cansativa”.

De minha parte, convido a todos para amar comigo esta minha musa mais adorada. Desejo sinceramente que o meu amor seja também o amor de vocês. Até porque – como já disse um sujeito muito mais sagaz do que eu – no final, todo amor que você tem é o amor que você deu...

“O vazio é o inútil essencial.
Como a essência da janela – que é ser vazia.
O vazio é o ócio criador,
Enquanto o labor é criatura!”

(o Vazio; 2014)

Com vocês: A Fábrica de Carros!

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