27 de novembro de 2016

Manifesto Dois-mil-e-dizer-chega

O ano ainda não acabou. Até o juiz levantar o braço, quem acha que o jogo está ganho leva gol. Mas, principalmente, pelo ano que é... já é hora de dizer chega.
Acho que, na verdade, esse foi o espírito deste ano – o zeitgeist, como se diz em alemão. Acho que, em menores ou maiores proporções, em maior ou menor quantidade, de formas boas e de formas ruins, este foi um ano que se caracterizou por uma constante que permeou os mais diferentes e heterogêneos tipos de situações, fatos e contextos;
É preciso dizer, antes, que meus raciocínios (e decorrentes conclusões) são exclusivamente baseadas na minha experiência e na minha observação, portanto não quero dizer que se aplique a todos. Se aplica a mim. Se por acaso aplicar-se também a outros que se identifiquem com este texto, ótimo. Se não, bem... é isso.
Voltando, creio que houve uma constante que foi o fato de que todas as situações realmente relevantes do ano foram de drásticas mudanças e de mudanças que nos confrontam com situações que vínhamos enfrentando, que já há algum tempo nos causa incômodo e que está num ponto onde se torna insustentável. E das piores ou das melhores maneiras, foi a hora do “chega”. O que, na verdade, caracteriza a essência da mudança; a insustentabilidade de algo que se mantinha diante da presença concreta e incontível da necessidade de outro algo.
Assim, posso dizer que foi o ano de dizer chega – por bem ou por mal. Se me permitem o trocadilho infame (lembrei de uma amiga com esse trocadilho - bem infame, por sinal), diria que 2016 foi o ano de “Dois-mil-e-dizer-chega”. Depois de "Dois-mil-e-transe" veio "Dois-mil-e-catarse", em seguida "Dois-mil-e-kiss-me" e, agora, “Dois-mil-e-dizer-chega”.
Aliás, ao compreender isso, assumi uma postura de tornar este movimento consciente e realmente dizer chega para tudo aquilo do qual já estou cheio. E, creia, digo com toda sinceridade: Está sendo libertador.
Obviamente, a sociedade foi construída de maneira a tentar impedir a todo custo que as pessoas tenham essa possibilidade. Conforme vamos crescendo vamos ficando cada vez mais enredados por uma teia de responsabilidades, demandas, necessidades, confortos, recalques, recompensas, burocracias, hábitos, desejos, normas, leis, tabus e etc. Quanto mais a gente tenta se desembaraçar, mas embolados ficamos e num certo ponto, desistimos de tentar e ficamos ali esperando a hora em que a aranha vai vir preparar o seu lanche com a nossa cabeça. Talvez por isso, mais um motivo para dizer chega.
Mas negar simplesmente é um ato nulo. A negação deve ser uma ação e não uma omissão. Se vamos dizer chega, a pergunta que fica é: vamos fazer o quê, então? Concordemos que o que está posto está insustentável. Então a questão fundamental passa a ser o quem vem em seguida, certo?
Errado.
Acho que dizer chega é um ato de desapego – o que demanda uma certa dose de coragem e uma certa dose de insensatez. O apego ao que vem em seguida, a busca pelo controle das variáveis, pela segurança, pela estabilidade são coisas que já não se sustentam também. Também há que se dizer chega a tudo isso.
E você pode me perguntar: qual é então a questão fundamental nesta história toda, espertão?
Sinceramente? Não sei. Mas sinto que talvez seja esta a resposta. Não saber. E não precisar saber.
Acho que dizer chega é o início do se jogar. E se jogar é não saber. E não precisar saber.
O que vem em seguida é isso: infinitas possibilidades que inevitavelmente vamos conhecer na medida em que forem possibilidades e que se apresentarem para nós de acordo com a nossa própria presença.
Se jogar.
Como disse um sábio filósofo, se há alguma verdade que se aplique a tudo nesta nossa existência com igual irrefutabilidade é a de que tudo passa. E passa mesmo. Pra bem e pra mal.
E que passe mesmo!

Chega de dois mil e dezesseis. Chega de tudo o que veio antes. Chega de tudo que incomoda e que vamos protelando resilientes como se houvesse nesta vida qualquer tipo de situação absoluta. Como se houvesse qualquer estabilidade. Ou garantia. Ou segurança. Todos nós passamos por esse mundo deixando pegadas na mesma areia. E todas as pegadas somem umas por cima das outras e/ou, quem sabe, levadas pelo vento ou a chuva ou a maré.
Acho que o momento é de uma atitude que é extremamente afirmativa, talvez até imperativa, de, ativamente, assumir uma postura passiva.
Escolher se jogar. Ir pra onde realmente se quer ir e pronto. Se jogar. Simples assim.
Sem pressão. Sem compromisso. Sem expectativas. Sem receios. Sem ser forçado.
Se jogar simplesmente e abertamente. Relaxar na queda. Se entregar.
Quem sabe a vida não nos abraça?
Quem sabe não é daí que nasce o vôo?


(o Vazio)
24/11/2016 
(44 do segundo tempo de dois-mil-e-dizer-chega)